O MEU VELÓRIO...
- Você quer fazer o quê?
Perguntei-lhe incredulamente, minha voz elevando-se ao tom agudo que alcança quando fico exasperada.
- Diga isso de novo, por favor, acho que não o ouvi!
- Ah, você me ouviu com certeza.
Respondeu Frank bruscamente, balançando os braços de maneira expressiva.
- Quero fazer o meu velório agora, antes de morrer! Por que todo mundo, menos eu, deveria aproveitar?
Ele
se dirigiu à cozinha e eu podia ouvi-lo resmungado para si mesmo
enquanto vasculhava a geladeira. Voltou logo depois para o deque onde eu
havia ficado para assistir ao pôr-do-sol de setembro cobrir as
montanhas Blue Ridge. Terminou de mastigar um pêssego maduro e então a
voz que nunca conseguia permanecer áspera por muito tempo quebrou o
silêncio:
- Querida, eu quero fazer isso.
Senti
um nó na garganta e tentei não chorar. Estava com 44 anos e a idéia de
ficar viúva – de novo – era devastadora. Tão devastadora, na verdade,
que a negação facilmente se tomara o manto que eu vestia todos os dias.
- Mas você está mais forte agora. Você disse isso! E as injeções, elas ajudam...
- Melva.
Ele trocou meu ombro com se estivesse implorando. Frank continuou:
-
Vamos dar uma festa e vamos fazer direito. Podíamos disfarçá-la como
uma festa de aniversário de casamento. É claro que todos os que me
conhecem muito bem saberão.
Olhei
dentro daqueles olhos castanhos brilhantes, sua faísca agora turvada
pela dor, pelos remédios, pelo medo. Eu sabia o que os últimos anos
haviam tirado dele. Havíamos deixado de ser o casal dourado na pista de
dança todos os fins de semana. Sim, nós ainda íamos, pois ele insistia,
mas agora passávamos a maior parte da noite sentados conversando como
dois amigos. Engolindo minha vergonha, peguei na sua mão.
- Tudo bem. Se você quer uma festa, teremos uma festa!
Na
manhã seguinte encomendei os 50 convites para nossa “festa de
aniversário de casamento”. Dezenove de outubro de 1991 caiu num sábado à
noite e alugamos o Frank’s Shrine Club para o evento. Quase
todos os que convidamos vieram para partilhar a noite conosco. No meio
da festa, Frank subiu ao palco com o microfone na mão para fazer uma
gloriosa interpretação da balada It’s Hard to Be Humble (É difícil ser
humilde). Meu marido adorou
ser o centro das atenções e terminou sob os aplausos e as lagrimas de
todos aqueles que o amavam. Então fez um pequeno discurso, agradecendo a
todos por terem vindo, e proclamou-se o homem mais sortudo do mundo!
Com essas palavras, ele disse adeus. E
antão valsamos. Frank começara a perder o equilíbrio e não mais se
sentia à vontade dançando com outras mulheres. Mas naquela noite ele
dançou com todas. Mas tarde conversei com um de seus médicos enquanto dançávamos uma música lenta. Perguntei baixinho:
- Quanto tempo ele tem?
- É impossível prever isso, Melva, ele parece estar mais forte.
Perguntei novamente:
- Quanto tempo?
Não obtive resposta. Terminamos nossa dança e ele me levou de volta à mesa. Respondeu-me finalmente:
- Seis meses, talvez mais.
- Obrigada.
Sussurrei.
O resto da noite passou como um sonho, com Frank mudando de um grupo
para outro, conversando com todo mundo e deleitando-se com as varias
histórias contadas às suas custas. Politicagem, como ele o chamou certa
vez. Quando a noite se aproximou do fim, ele ficou na porta para dar
boa-noite a todos os convidados – de pé no começo, depois precisando
sentar-se, mas sempre sorrindo.Três
meses e três dias depois, eu estava sentada tremendo no frio aguardando
seus irmãos da maçonaria que realizavam seus rituais. Eu segurava
fortemente a bandeira dobrada com capricho, enquanto os braços fortes de
um amigo me levaram até a limusine que aguardava. Cerca de um ano
depois, fui almoçar com uma nova amiga. Ela falou do velório ao qual
fora na noite anterior:
- Que linda forma de dizer adeus!
Observou,
obviamente desacostumada a tal evento. Ouvi-a relatar a frivolidade e
pensei em como era triste que o amado falecido tivesse perdido uma noite
tão prazerosa. A culpa do “Eu devia ter feito mais” e “Por que eu não
fui mais forte para ele”, que era minha mortalha, começara a
desaparecer. Minha mente voltou-se para a alegria de Frank em sua última
festa.
- Então, você fez um velório para o Frank?
Perguntou minha amiga. Respondi:
- Ah, sim. Foi uma festa maravilhosa e ele se divertiu como nunca!
E citei esta frase:
- “Uma alegria destrói 100 tristezas”.
Melva Huggar Dye
(In:
História Para Aquecer o Coração: auto-estima. Confield Jack... [et
al.]; trad. Mariana Colasanti e Fabiana Colasanti. – Rio de Janeiro:
Sextante, 2007. Pagina 64)
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