A ÁGUIA E A GALINHA

Sobre uma que foi criada num galinheiro e foi aprendendo sobre o jeito galináceo de ser, de pensar, de ciscar a terra, de comer milho, de dormir em poleiro... À medida que aprendia, ia esquecendo as poucas lembranças que lhe restavam do passado. É assim:

- “Todo aprendizado exige um esquecimento... E ela desaprendeu... os cumes das montanhas, os vôos nas nuvens, o frio das alturas, a vista se perdendo no horizonte, o delicioso sentimento de dignidade e liberdade...”.

Como não havia ninguém que lhe falasse dessas coisas e todas as galinhas cacarejassem o mesmo catecismo, ela acabou acreditando que ela não passava de uma galinha com perturbação hormonal, tudo grande demais, aquele bico curvo, sinal certo de acromegalia, e desejavam muito que suas fezes tivessem o cheio certo de fezes das galinhas. Um dia apareceu, por lá um homem que vivera nas montanhas e vira o voo orgulhoso das águias perguntou:

- O que é que você faz aqui?

- Este é meu lugar, todo mundo sabe que galinhas vivem em galinheiros, comem milhos, ciscam no chão, botam ovos e, finalmente, viram canja, nada de perde, utilidade total...

Ela respondeu. O homem continuou:

- Mas você não é galinha. É uma águia.

- De jeito nenhum, águia voa alto, eu nem sequer sei voar. Para dizer a verdade, nem quero, tenho medo. A altura me dá vertigens, é mais seguro ir andando, passo a passo...

Não houve argumento que mudasse a cabeça da águia esquecida. Até que o homem, não aguentando mais ver aquela coisa triste, uma águia transformada em galinha. Ele agarrou a águia a força e a levou até o alto da montanha. A pobre águia começou a cacarejar de terror, mas o homem não teve compaixão jogou-a no vazio do abismo.Foi então que o pavor, misturado às memórias que, ainda moravam em seu corpo, fez asas baterem, a principio, em pânico, mas, pouco a pouco, com tranquila, dignidade, até se abrirem confiantes, reconhecendo aquele espaço imenso que lhe fora roubado. E ela finalmente compreendeu que seu nome não era galinha, mas águia.