A PASSAGEM




Isso foi mais ou menos a sete anos. Ele me fez esta pergunta:
-Tio, senhor acha que eu algum dia vou encontrar Deus?
- Não
Respondi enfaticamente. Ele retrucou.
- Há. Achei que fosse essa crença que o senhor acreditava.
Deixei-o dar cinco passos porta afora e então falei:
- Eu não acho que você vá encontrá-Lo, mas tenho certeza de que Ele vai encontrar você.
Lourival Neto deu de ombros e foi embora. Fiquei ligeiramente desapontado por ele não ter dado atenção a minha frase de efeito. Depois chegou uma noticia triste: Lourival tinha câncer em estagio terminal. Antes que eu pudesse procurá-lo, ele veio me ver. Quando entrou na minha casa, seu corpo estava muito debilitado e seus cabelos tinham caído por causa da quimioterapia. Mas seus olhos brilhavam e sua voz, estava firme. Fui logo dizendo:
- Tio Junior, decidi gastar o tempo que tenho fazendo algo mais importante. Pensei em outra coisa que o senhor tinha dito? Aquela frase que diz: “A maior tristeza é passar pela vida sem amar. Mas seria igualmente triste deixar este mundo sem nunca dizer àqueles que você amou que os amava”. Então comecei com o mais difícil de todos: meu pai.
O meu pai Lourimar estava lendo o jornal quando eu cheguei perto dele.
- Papai, queria falar com você.
- Bom, fale.
- É importante o que eu quero dizer.
O jornal se abaixou lentamente alguns centímetros.
- O que é?
- Papai, eu te amo. Só queria que você soubesse disso.
Lourival, sorriu ao me contar aquela cena.
- O jornal caiu no chão. Então meu pai fez duas coisas que eu nunca tinha visto ele fazer antes: chorou e me abraçou. E conversamos a noite toda, apesar de ele ter que ir trabalhar na manhã seguinte.
Continuou Lourival:
- Foi mais fácil com minha mãe e com meu irmão mais novo. Eles choraram comigo, nos abraçamos e compartilhamos as coisas que vínhamos mantendo em segredo por tantos anos. Eu só lamento ter esperado tanto. Ali estava eu, à beira da morte, apenas começando a me abrir para todas as pessoas de quem eu tinha sido realmente próximo.
- Então um dia eu me virei e Deus estava ali. Ele não veio quando chamei por Ele. Aparentemente, DEUS faz as coisas do Seu próprio jeito e no Seu próprio tempo. O importante é que o senhor estava certo. Ele me encontrou mesmo depois de eu ter parado de procurá-Lo.
Disse eu, quase engasgando:
- Acho que você não se dá conta da importância do que está dizendo. Você está dizendo que o caminho mais certo para encontrar Deus não é fazer Dele uma posse particular nem um consolo instantâneo em momentos de necessidade, mas se abrindo para o amor.
Acrescentei:
- Lourival será que eu podia pedir um favor a você? Você viria à minha aula de Ensino Religioso para contar aos meus alunos o que acabou de me dizer?
Embora tenhamos combinado uma data, ele não pôde ir. Sua vida, é claro, não terminou com sua morte, apenas mudou. Ele deu o grande passo da fé rumo à visão. Encontrou uma vida muito mais bonita do que os olhos da humanidade já viram ou do que a mente jamais imaginou. Antes de morrer, conversamos uma última vez. Ele disse:
- Tio Junior não vou conseguir ir à sua aula.
- Eu sei, Lourival.
- O senhor pode contar a eles por mim? Pode... contar ao mundo inteiro por mim?
- Posso, meu amado sobrinho. Eu jamais esquecerei esta lição. Vou contar a todos eles.

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